2.8.17

PAULO VARELA GOMES


Ao sair de Longwood cerca da meia-noite, Anna W. desce para Jamestown ouvindo as quatro últimas canções de Richard Strauss na interpretação daquela que, na sua opinião, é uma das cantoras líricas mais comoventes do século XX, Gundula Janowitz. Canta, ao mesmo tempo que a cantora, a canção 'Ao Adormecer', com letra de Herman Hesse. Eis a adaptação a que o autor se atreve a partir do inglês, sem rima, nem métrica:

«Agora que estou cansado do dia
Desejo ardentemente receber, feliz,
A noite estrelada
Como uma criança que cai no sono.
Mãos, detende a vossa azáfama.
Mente, esquece todo o pensamento.
Agora os meus sentidos
Só querem mergulhar na sonolência
E a minha alma liberta
Voar livremente
Na esfera mágica da noite
para aí viver mil vezes.»


(excerto da penúltima página de Passos Perdidos, Edições tinta-da-china, 2016)


30.7.17

EUNICE DE SOUZA



Os montes rastejam com mercadorias.
Luzes vagarosas volteiam
e descem as arestas escuras
em direcção a uma outra 
cidade térmite.

O deus da rocha vermelha
observa tudo o que se passa.
Falou uma vez.
Os pecados vermelho sangue
são suas testemunhas.

Deus da rocha, sou um peregrino.
Diz-me —
Onde encontra repouso o coração?

***

Não procures a minha vida nestes poemas


Os poemas podem ter ordem, sanidade,
distância estética do detrito.
Tudo o que aprendi com a dor
soube-o sempre,
mas não o pude fazer.




(in Poemas Escolhidos, tradução de Ana Luísa Amaral, Livros Cotovia, 2001)